novembro 06, 2003

A Harpa de Ervas de Truman Capote

"Por vezes um escritor sente que não tem de fazer qualquer esforço para escrever uma história, como se estivesse simplesmente a transcrever as palavras de uma voz vinda de uma nuvem (...) e, embora saiba muito sobre a escrita, quando lê algo de muito bom os seus sentidos navegam num oceano de espanto. Como é que ele fez isto? Como é que é possível? É o que sinto sempre ao ler a "Harpa de Ervas" e alguns contos de "A Árvore da Noite". E neste caso a tradução é excelente, tem o mesmo encanto do original.
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Capote diz que gostava de reencarnar como um pássaro, um falcão, porque ninguém gosta dele, é feio, indesejado em toda a parte, e há muito a dizer sobre a liberdade que isso oferece. E também diz que ainda não é santo. Mas quer ser.
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Por vezes acho que ele, que se debateu tantos anos com o seu último livro, que nunca terminou (...) teve as suas preces atendidas quando era muito jovem, quando escreveu livros como "Other Voices, Other Rooms", "The Grass Harp" ou "A Tree of Night". Não sei se estava a transcrever as palavras de uma voz nas nuvens, mas é essa a impressão que temos. Um terrível estado de graça.
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"A Harpa de Ervas" não é exactamente um livro para ler. É muito mais do que isso. É um livro para reler. Como um texto sagrado ou um conto de fadas. Até ao fim da vida."

Ana Teresa Pereira, Mil folhas, Jornal Público de 1 de Novembro de 2003