fevereiro 18, 2004

Estrada





Nos últimos tempos não tinhas dado noticias. Achei normal, os amigos não têm de se falar todos os dias, aliás é na ausência e na distância que se aprende a sê-lo. Um amigo sabemos sempre que está lá. Achei ainda mais normal quando um novo emprego e uma nova paixão te tinham levado para o norte do país, para lá dos montes, entupindo-te de novas tarefas e descobertas. A última voz que te ouvi dizia, tens de cá vir este sitio é lindo, que tal em Agosto?. Achei normal, portanto. Nem estranhei quando na semana passada o teu telefone dizia, chegou à caixa de correio de... Soube, por estes dias, que tinhas começado uma viagem de regresso a casa e que a meio partiste, numa curva dessa maldita estrada, para outro lado. Provavelmente fui dos últimos a saber, mas não importa isso agora, não assisti ao choro e ao grito da família, e o luto faz-se assim de outra forma. Nem eu sei se a morte precisa de prova. Um dia destes vou lá ver-te e à placa em que colocaram o teu nome, dizer-te que sim, o sitio é lindo (apesar de não o conhecer) e vou lá ter contigo no verão, talvez em Agosto, como combinado. Por agora fico aqui a tapar de buracos os buracos fundos no peito, na loucura de caber todo no sitio onde estás, trazer-te, desfazer a curva em que partiste, redesenhá-la em recta e levar-te a casa, ao colo. Não é para isso que servem os amigos?