As mãos de Eugénio
Os trabalhos da Mão
Começo a dar-me conta: a mão que escreve os versos envelheceu.
Deixou de amar as areias, as tardes de chuva miúda, o orvalho matinal dos cardos. Prefere agora as sílabas da sua aflição.
Sempre trabalhou mais que a sua irmã, um pouco mimada, um pouco preguiçosa, mais bonita.
A si coube sempre a tarefa mais dura: semear, colher, cozer, esfregar. Mas também acariciar, é certo. A exigência, o rigor, acabaram por fatiga-la.
O fim não pode tardar: oxalá tenha em conta a sua nobreza.
As mãos
Que tristeza tão inútil essas mãos
que nem sequer são flores
que se dêem:
abertas são apenas abandono,
fechadas são pálpebras imensas
carregadas de sono.
Pela noite adiante, com a morte na algibeira,
cada homem procura um rio para dormir,
e com os pés na lua ou num grão de areia
enrola-se no sono que lhe quer fugir.
Cada sonho morre às mãos doutro sonho.
Dez-réis de amor foram gastos a esperar.
O céu que nos promete um anjo bêbado
é um colchão sujo num quinto andar.
As Mãos e os Frutos
Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.
(Eros
Nunca o verão se demorava
assim nos lábios
e na água
- como podíamos morrer,
tão próximos
e nús e inocentes?)
Pormenor do Quadro "Eugénio de Andrade" de Isabel Maia Marques