maio 12, 2004

A propósito de um mail sobre ossos e cemitérios...


Estacas

Os meus ossos estão espetados no deserto, não há um só no meu corpo que lhe escape. Cravados todos eles na areia do deserto, uns a seguir aos outros, alinhados. Seria absurdo falar-se de esqueleto. A pele foi entretanto soterrada, há quem já tenha caminhado em cima dela. Quem diria? A pele, outrora hasteada, uma bandeira, quase uma coroa. O vento apoderou-se-me das vértebras. O próprio sol que entre elas brilha é descarnado, um sol deserto, onde o deserto penetrou. Talvez pudéssemos lavá-lo, este deserto, quem sabe, ou amarrá-lo, amordaçá-lo. A pele garante o espaço, o resto logo se veria.

Luís Miguel Nava
Poesia Completa, Publicações D. Quixote, 2002