janeiro 14, 2005

O outro (5 de 7)

Ontem, enquanto escrevia aquelas palavras no meu bloco de capa preta, com a minha nova caneta azul de ponta fina, um homem que desconhecia dirigiu-se a mim, perguntou-me qualquer coisa que não percebi, à qual respondi que sim com a cabeça, e sentou-se à minha mesa, do lado oposto ao meu. Era alto, jovem mas de cabelo grisalho, olhos cinzentos e mãos compridas. Falávamos a mesma língua mas ainda assim não prestei muita atenção ao que dizia, incomodou-me ter-se colocado entre mim e o meu poeta, que entretanto deixara de escrever no bloco quando o empregado chegou com o prato da comida.
O homem à minha frente falava de viagens e de livros, de escritores que eu não conhecia, falava da neve, qualquer coisa sobre procurar o seu sentido que eu não entendi. Falava de gatos e do Pina, de ele andar sempre com poemas dentro dos bolsos, falava de árvores e dizia o meu nome com uma voz funda, devagar. Chamou o empregado e pediu um café. Eu falei-lhe em sussurro à altura dos olhos
vamos sair daqui.

(continua)