abril 28, 2005

Ao acaso - Ficção Científica #1

entrou disposto a esquecer, com vontade de
no vazio daquele lugar rasgar no pensamento tudo
aquilo que tinha escrito até então, queimar, transformar
em cinzas, sombras de luz, todas as recordações que ainda existissem

os olhos no tecto amarelo, com grelhas para
a circulação de ar, a visão turva de fumo escuro
a parede branca em frente como tela, os móveis lentamente,
a desaparecerem, a cama, de contornos acinzentados, contrariar o tempo

o calor de um verão que queimava as vísceras
e tornava os dias maravilhosos, é tão fácil o amor
em dias e dias de sol, o longo inverno de olhares imensos
pela janela molhada de lágrimas, as tardes inteiras a olhar as estrelas

a água e o fogo num turbilhão de ideias que tudo
invadiu e destruiu, a fuga, a espera, o olhar para trás
o empurrão, as histórias construídas nos jardins de flores
que murcharam no tempo, inócuo, as folhas escritas imensas no quarto nu

histórias de um futuro que hoje vive, sofregamente,
abruptamente, ter medo de morrer num sítio estranho, onde
só existem estrelas e negro, guardar sempre o último fôlego para
depois, olhos abertos. No dia seguinte começar a escrever um novo futuro.