novembro 28, 2003

Novembro e Dezembro


A Claire Lunar leu o post "Novembro" e respondeu com:

[dezembro]

ser o nome que o frio divide
a cidade estranha onde tu faltas
onde o vento sobra nas árvores
as mesmas mãos mas perdidas
pelos bolsos como pedras lisas
que olho atravesso e pergunto
se ainda sabem coisas de ti.


novembro 27, 2003

Escuro


Pergunto-me desde quando
deixou de haver futuro
nas janelas.
Janeiro dói nos olhos
como areia
e tu e eu estamos para sempre
sentados às escuras
no Verão.

Rui Pires Cabral


Ars poetica


O mar, no seu lugar pôr um relâmpago.

Luís Miguel Nava

Novembro


No rosto azul de Novembro
ser o nome que o frio divide
a chuva que traz o mar e
o corpo do verão, pela mão um beijo,
que recebo inteiro
num postigo aberto, ao vento,
ou no canal, na margem, nas pontes.
Ser o dia só um jardim de árvores.

novembro 25, 2003

Para que o tempo não cumpra todas as promessas que nos fez


são de anjos estas pedras
são de tempo, palavras como
ruas, que sim levam ao centro
se ao menos as fotografias
fossem só o calor das mãos
se tudo fosse só esta imensa
e inútil espera

novembro 21, 2003

Re: |=.*


recordo-te, contando os dias
que são precisos para uma nova infância
- isto por saber quem és, desde sempre

entro nos quartos à tua procura
despidos de cheiros e de segredos
- só os quadros e as côres com que me deito

recordo-te assim porque não chegas
não podes, não posso
a noite espessa e fria
o corpo cansado

beijo-te as mãos
beijo-te os olhos

Nocturno a duas vozes


- Que posso eu fazer
senão beber-te os olhos
enquanto a noite
não cessa de crescer?

- Repara como sou jovem,
como nada em mim
encontrou o seu cume,
como nenhuma ave
poisou ainda nos meus ramos,
e amo-te,
bosque, mar, constelação...

- Não tenhas medo:
nenhum rumor,
mesmo o do teu coração,
anunciará a morte;
a morte
vem sempre de outra maneira,
alheia
aos longos, brancos
corredores da madrugada.

- Não é de medo
que tremem os meus lábios,
tremo por um fruto de lume
e solidão
que é todo o oiro dos teus olhos,
toda a luz
que os meus dedos têm
para colher na noite.

- Vê como brilha
a estrela da manhã,
como a terra
é só um cheiro de eucaliptos
e um rumor de água
vem no vento...

- Tu és a água, a terra, o vento,
a estrela da manhã és tu ainda.

- Cala-te as palavras doem.
Como dói um barco,
como dói um pássaro
ferido
no limiar do dia.
Amo-te.
Amo-te para que subas comigo
á mais alta torre,
para que tudo em ti
seja verão, dunas e mar.

Eugénio de Andrade

novembro 20, 2003

A carta da paixão


Esta mão que escreve a ardente melancolia
da idade
é a mesma que se move entre as nascentes da cabeça,
que à imagem do mundo aberta de têmpora
a têmpora
ateia a sumptuosidade do coração. A demência lavra
a sua queimadura desde os recessos negros
onde
se formam
as estações até ao cimo,
nas sedas que se escoam com a largura
fluvial
da luz e a espuma, ou da noite e as nebulosas
e o silêncio todo branco.
Os dedos.
A montanha desloca-se sobre o coração que se alumia: a língua
alumia-se. O mel escurece dentro da veia
jugular talhando
a garganta. Nesta mão que escreve afunda-se
a lua, e de alto a baixo, em tuas grutas
obscuras, essa lua
tece as ramas de um sangue mais salgado
e profundo. E o marfim amadurece na terra
como uma constelação. O dia leva-o, a noite
traz para junto da cabeça: essa raiz de osso
vivo. A idade que escrevo
escreve-se
num braço fincado em ti, uma veia
dentro
da tua árvore. Ou um filão ardido de ponta a ponta
da figura cavada
no espelho. Ou ainda a fenda
na fronte por onde começa a estrela animal.
Queima-te a espaçosa
desarrumação das imagens. E trabalha em ti
o suspiro do sangue curvo, um alimento
violento cheio
da luz entrançada na terra. As mãos carregam a força
desde a raiz
dos braços, a força
manobra os dedos ao escrever da idade, uma labareda
fechada, a límpida
ferida que me atravessa desde essa tua leveza
sombria como uma dança até
ao poder com que te toco. A mudança. Nenhuma
estação é lenta quando te acrescentas na desordem, nenhum
astro
é tão feroz agarrando toda a cama. Os poros
do teu vestido.
As palavras que escrevo correndo
entre a limalha. A tua boca como um buraco luminoso,
arterial.
E o grande lugar anatómico em que pulsas como um lençol lavrado.
A paixão é voraz, o silêncio
alimenta-se
fixamente de mel envenenado. E eu escrevo-te
toda
no cometa que te envolve as ancas como um beijo.
Os dias côncavos, os quartos alagados, as noites que crescem
nos quartos.
É de ouro a paisagem que nasce: eu torço-a
entre os braços. E há roupas vivas, o imóvel
relâmpago das frutas. O incêndio atrás das noites corta
pelo meio
o abraço da nossa morte. Os fulcros das caras
um pouco loucas
engolfadas, entre as mãos sumptuosas.
A doçura mata.
A luz salta às golfadas.
A terra é alta.
Tu és o nó de sangue que me sufoca.
Dormes na minha insónia como o aroma entre os tendões
da madeira fria. És uma faca cravada na minha
vida secreta. E como estrelas
duplas
consanguíneas, luzimos de um para o outro
nas trevas.

Herberto Helder

novembro 19, 2003

Cartas de... a...

A,

Relembro-te hoje, sentada naquela mesa de café em que nos conhecemos, as mãos sobre o tampo branco sujo em pedra e os ombros encolhidos pelo frio, sob o casaco grosso que trazias. Recordo as tuas mãos, os teus ombros e a tua filha, que não parava de nos interromper e fazer perguntas, que queria o bolo e o sumo, levantando o braço a chamar o empregado. No meio de duas frases e do desembaraço de mãe impunhas-lhe uma escolha, ou o bolo ou o sumo, que não podiam ser os dois, que perdia o apetite para o jantar. Recordo-te hoje assim sentada, calças pretas e casaco grosso, cabelo solto e voz suave e firme, interrompida pelos gritos da criança, Marta, que agora, de barriga cheia, olhava para mim e perguntava, Mãe, quem é o senhor? É o Rui? Não era o Rui, não sou o Rui, nunca soube que Rui era esse (...)

continua aqui


novembro 18, 2003

Quase sempre uma sílaba falta em tudo o que se diz.

novembro 13, 2003

Nightmare Before Christmas

Nightmare Before Christmas
You know so much about the nightmare before
christmas. You must research and study it as
much as I do. I have loved this movie since I
was a kid and studied it very hard.
Congratulations.Please Please Please vote for
my quiz if you do i will vote for one of your
quizzes.


XxThe Best and Most Challenging Quiz of The Nightmare Before ChristmasxX
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novembro 10, 2003

Cais da Ribeira

Agora estou perto do núcleo misterioso das coisas como à noite estamos perto do pulsar do coração.
Porque me levaste pelas ruas antigas, pelo percurso dos amantes infelizes? Eu não sou desses caminhos nem desses afagos. Sempre fiquei esquecida em praças vazias, em esquinas acutilantes, em ruas solitárias. Toda a noite caminhei para semear a tua recordação.


Lido aqui

novembro 07, 2003

Além da Terra, Além do Céu


Além da terra, além do céu
no trampolim do sem-fim das estrelas,
no rastros dos astros,
na magnólia das nebulosas.
Além, muito além do sistema solar
até onde alcançam o pensamento e o coração,
vamos!
vamos conjugar
o verbo fudamental essencial
o verbo transcendente, acima das gramáticas
e do medo e da moeda e da política,
o verbo sempreamar
o verbo pluriamar,
razão de ser e viver.

Carlos Drummond de Andrade

novembro 06, 2003

A Harpa de Ervas de Truman Capote

"Por vezes um escritor sente que não tem de fazer qualquer esforço para escrever uma história, como se estivesse simplesmente a transcrever as palavras de uma voz vinda de uma nuvem (...) e, embora saiba muito sobre a escrita, quando lê algo de muito bom os seus sentidos navegam num oceano de espanto. Como é que ele fez isto? Como é que é possível? É o que sinto sempre ao ler a "Harpa de Ervas" e alguns contos de "A Árvore da Noite". E neste caso a tradução é excelente, tem o mesmo encanto do original.
(...)
Capote diz que gostava de reencarnar como um pássaro, um falcão, porque ninguém gosta dele, é feio, indesejado em toda a parte, e há muito a dizer sobre a liberdade que isso oferece. E também diz que ainda não é santo. Mas quer ser.
(...)
Por vezes acho que ele, que se debateu tantos anos com o seu último livro, que nunca terminou (...) teve as suas preces atendidas quando era muito jovem, quando escreveu livros como "Other Voices, Other Rooms", "The Grass Harp" ou "A Tree of Night". Não sei se estava a transcrever as palavras de uma voz nas nuvens, mas é essa a impressão que temos. Um terrível estado de graça.
(...)
"A Harpa de Ervas" não é exactamente um livro para ler. É muito mais do que isso. É um livro para reler. Como um texto sagrado ou um conto de fadas. Até ao fim da vida."

Ana Teresa Pereira, Mil folhas, Jornal Público de 1 de Novembro de 2003

novembro 05, 2003

Exacto curvo eu dividi

2002

Exacto curvo eu dividi
para me dar todo
inteiro e a minha vida
como transplante, dador
de vida por um tubo
de sangue.
O que sangro vive em ti
no teu corpo, fechado ainda
por nascer,
redonda luz que se inicia.
Deixo-te aberta a mão da
escrita
para que a feches
no escuro dos livros
ou dos homens.
Um dia irás perceber
o mistério das águas
e nessa hora
irei repetir-te todas
as coisas outra vez.

novembro 04, 2003

O maior presente do mundo

Hoje descobri um blog muito engraçado, indicado por uma pessoa amiga. Nele li este texto.
É óbvio que não podemos comprar o mundo para os nossos filhos, nem devemos, mas custa tão pouco fazê-los felizes... Ao ler este texto sinto-me como um filho a quem o pai (ou a mãe) ofereceu o maior presente do mundo. Muito obrigado.

novembro 03, 2003

Promessa adiada

Este poema já devia estar aqui há muito tempo:


MÚRMÚRIOS DO MAR


«Paga-me um café e conto-te
a minha vida»
o inverno avançava

nessa tarde em que te ouvi
assaltado por dores
o céu quebrava-se aos disparos
de uma criança muito assustada
que corria
o vento batia-lhe no rosto com violência
a infância inteira
disso me lembro

outra noite cortaste o sono da casa
com frio e medo
apagavas cigarros nas palmas das mãos
e os que te viam choravam
mas tu, não, nunca choraste
por amores que se perdem

os naufrágios são belos
sentimo-nos tão vivos entre as ilhas ,acreditas?
E temos saudades desse mar
que derruba primeiro no nosso corpo
tudo o que seremos depois

«Pago-te um café se me contares
o teu amor»


José Tolentino Mendonça