outubro 31, 2003

O que fazer

A chuva continua. A chuva e uma dúvida: o que fazer com toda a poesia? A que lê-mos e a que não temos tempo para isso. Talvez soltá-la no vento. Que também continua.

outubro 30, 2003

A poesia vai acabar

A POESIA VAI

A poesia vai acabar, os poetas
vão ser colocados em lugares mais úteis.
Por exemplo, observadores de pássaros
(enquanto os pássaros não
acabarem). Esta certeza tive-a hoje ao
entrar numa repartição pública.
Um senhor míope atendia devagar
ao balcão; eu perguntei: "Que fez algum
poeta por este senhor?" E a pergunta
afligiu-me tanto por dentro e por
fora da cabeça que tive que voltar a ler
toda a poesia desde o princípio do mundo.
Uma pergunta numa cabeça.
– Como uma coroa de espinhos:
estão todos a ver onde o autor quer chegar? –

Manuel António Pina

As fotografias da capa e separadores são do Mário Filipe Pires | Paginação e concepção: Cristina Fernandes | 1ª edição electrónica: Outubro de 2003

Não sei o que fazer com este silêncio
nunca soube, tanto que o choro sabe
outros rumos e o olhar muda de sítio
a cada instante. Se a explicação dos
pássaros me ensinar o ruído das asas
se souber o que fazer quando tudo arde
talvez a poesia não acabe tão cedo.

outubro 28, 2003

De volta

Estou de volta. Muito obrigado a todos pelos "comments". A emissão segue dentro de momentos...

outubro 17, 2003

Na próxima semana



Na próxima semana vou escolher uma destas



para passear e depois vou para aqui.





Até daqui a uma semana.

outubro 16, 2003

Blogs e afins


Gosto muito deste e deste blog. Habituei-me a visitá-los regularmente. Não perco diariamente este nem este. Por isso em jeito de reply aqui fica:

um dia aprendi que as paixões são para sempre, que os fogos só se apagam nas mãos. Que assim que se entra na noite os olhos cegam. Aprendi que estes buracos no peito não se enchem de água quando chove, nem de neve quando o frio é tanto que dói. Dói saber que custa menos não amar. Talvez um dia o trevo tape de novo os corpos. O trevo ou folhas de acetato. Como podemos sorrir ao peso de tanta luz?

e-motion

outubro 15, 2003

Será


será de nevoeiro e de chuva
será de flores e de pássaros
será de palavras também
em tudo o que o vento move
por dentro e liberta
onde os olhos alcançam
ali, do outro lado dos
plátanos que vermelhos
de outono estremecem.
sempre nestas águas
será o que sangro
mais azul que o reflexo
do relâmpago nos olhos.
será o que sangro ainda
e sempre uma voz.

6


6

Procuro a sombra
e encontro o vazio
do teu rosto a refazer-se
com o silêncio,
como podemos sorrir
ao peso de tanta luz?
Acordo com os pássaros
todos ao meu lado
na metáfora da asa
que me leva ao sul
num raio de mar
a aquecer o sol.
Quando o silencio
se cansa do rosto
alinhas o sorriso
numa caricia urgente,
a mão certa da água.
O rosto do nome,
indeciso na certeza
de se sentir um relâmpago.


outubro 14, 2003

10


10

Quando chegas
trazes uma frase colada
a um poema antigo,
uma palavra perdida
num caderno esquecido
na gaveta da infância.
Quando eras criança conseguias ver o rio.
As ondas cresceram nos teus olhos
no rosto sombras e pássaros,
do rio nasceram casas, na pele
a luz de outras águas.
Do tempo dos anjos resta
o que sangro
as manhãs e a serenidade.
Não são corpos, nem imagens
nem viagens
mas asas, que levam ao centro.


outubro 09, 2003

Fora do Lugar - Rui Pires Cabral


FORA DO LUGAR
para a Daniela

A dor é uma desordem inimiga
das palavras com o silêncio todo fora
do lugar. Saberemos tomar um caminho
por essa floresta escura? Poderemos
sequer recuperar a pequena bússola partida,
a caneta e o papel, as nossas certezas
de trazer no bolso?

Não nos avisaram contra o medo,
não nos disseram que pode chegar
a qualquer hora, deslealmente,
enquanto o sol dorme na paisagem e as ervas
se levantam para receber o Verão. E agora
que quase nos perdemos, sem mapa ou sentido
que nos sirva, o nosso único guia é o amor
dos que nos esperam numa sala branca
onde o chão nos falta e não há estações.

Rui Pires Cabral in "Periferica 6".

Misha Gordin




outubro 07, 2003

em folhas de acetato me proteges


em folhas de acetato me proteges
floresço em avenida litoral
breve serei semente um céu e a terra
plantado azul e sopro de marés

as palavras fechadas com o jeito
que a boca tem ao ver-se
retratada
quase um sabor razão acidulada

me persegues de nomes, me retratas
igual ao branco hotel onde regressa
a não lembrada sombra do verão

e pousam de ouro em água o só
engano breve
das rosas e da neve despertadas.



António Franco Alexandre
A pequena face
Poemas
Assírio & Alvim


outubro 06, 2003

Véspera da Lágrima





Véspera da lágrima
(Por escrever - 1998)


Nos teus olhos a véspera
da lágrima
anuncia o fim do verão
e a despedida.
Mas o calor traz ainda
à raiz dos dedos
o mar que o coração
não abarca,
e a noite, rendilhada de luz,
abre-se em estrela
numa explosão
que nos salta ao caminho,
plena de água.




outubro 03, 2003

as the sparrow


To give life you must take life,
and as our grief falls flat and hollow
upon the billion-blooded sea
I pass upon serious inward-breaking shoals rimmed
with white-legged, white-bellied rotting creatures
lengthily dead and rioting against surrounding scenes.
Dear child, I only did to you what the sparrow
did to you; I am old when it is fashionable to be
young; I cry when it is fashionable to laugh.
I hated you when it would have taken less courage
to love.


Charles Bukowski

_P_


Sabemos bem para onde ir
o que fazer, nem sempre
as palavras são o nosso espelho
só nas mãos nos reflectimos.

Breve lento fulgor de onda





Breve lento fulgor de onda
brusco instante periférico
recebe-me, espesso sangue primeiro
intenso choro depois
vem, divide esta espera
e recebe-me no interior
do fogo da tua inocência.
Certo amanhecer no espelho
cíclica conjunção de nomes,
que o teu rosto se separe
e no corpo se junte só
o que sangro e as asas
construído céu de areia
por sobre pedra e sobre pó.
No frio de outono esta neve
é mais pura que o sol
relâmpago sobre o mar
de nuvens que te aquece
se eu souber como
recebe-me, subtrai-me ao
teu ritmo, recebe-me.
Breve lento fulgor de onda
partir em dois este sangue
e ver crescer a carne
primeiro e os olhos depois
no espaço do beijo
o choro e o riso e
a conquista do primeiro passo.
No teu corpo inicia-se o vento.

Lightstripping




O excelente trabalho de uma velha conhecida. É sempre bom ter amigos assim, que nos oferecem boa arte e boas dicas.
Entre os dias 4 e 30 de Novembro de 2003 terá no lugar no Castelo de S. Jorge, em Lisboa a exposição colectiva "e-motion".











O Cheiro a Torradas pela Manhã

A ideia do blog ocorreu-me hoje de manhã, quando deixei queimar as torradas...
Recordo com alguma saudade o tempo em que havia pão fresco todos os dias.
Mas o cheiro a torradas pela manhã já faz parte do meu (nosso) dia a dia, e assim ao descer pelo elevador consigo perceber quem já acordou. Se elas se queimarem é mais fácil ainda...
Melhores dias virão.