fevereiro 20, 2004

Variações Goldberg


Podem ouvir aqui as Variações Goldberg, versão midi. Não é perfeito mas escapa.

Dai-me uma (...) harpa de sombra*


Dai-me uma harpa de sombra
cada porta dá-me um nome
que cede sem angústia
dentro de mim, situo-me
sempre do outro lado
e não te posso ensinar nem
os nomes das árvores.
A morte sobe pelos dedos.
Sento-me então à tua mesa
e acompanho-te como uma vela
vida fora.
Em cada espasmo eu morrerei contigo.

*Sobre poemas de Herberto Helder, Ana Paula Inácio e R. M. Rilke

Inscrição


Quando eu morrer voltarei para buscar
Os instantes que não vivi junto do mar

Sophia de Mello Breyner Andresen

Queria que me acompanhasses


queria que me acompanhasses
vida fora
como uma vela
que me descobrisse o mundo
mas situo-me no lado incerto
onde bate o vento
e só te posso ensinar
nomes de árvores
cujo fruto se colhe numa próxima estação
por onde os comboios estendem
silvos aflitos.

Ana Paula Inácio
“Poetas sem qualidades”, Averno, 2002

fevereiro 19, 2004

Livros no Público


Os próximos 10 livros da quadta-feira, no Público. Tudo boas escolhas.

Franz Kafka - "O Processo" (25 Fevereiro)
Virginia Woolf - "O Quarto de Jacob" (3 Março)
Fiódor Dostoiévski - "O Jogador" (10 Março)
William Faulkner - "Luz em Agosto" (14 Março)
José Cardoso Pires - "A República dos Corvos" (24 Março)
Oscar Wilde - "O Crime de Lord Saville e outros contos" (31 Março)
James Joyce - "Gente de Dublin" (7 Abril)
Henry Miller - "O Sorriso aos Pés da Escada" (14 Abril)
Primo Levi - "Se não agora, quando?" (21 Abril)
Marguerite Duras - "Os Insolentes" (28 Abril)

fevereiro 18, 2004

Estrada





Nos últimos tempos não tinhas dado noticias. Achei normal, os amigos não têm de se falar todos os dias, aliás é na ausência e na distância que se aprende a sê-lo. Um amigo sabemos sempre que está lá. Achei ainda mais normal quando um novo emprego e uma nova paixão te tinham levado para o norte do país, para lá dos montes, entupindo-te de novas tarefas e descobertas. A última voz que te ouvi dizia, tens de cá vir este sitio é lindo, que tal em Agosto?. Achei normal, portanto. Nem estranhei quando na semana passada o teu telefone dizia, chegou à caixa de correio de... Soube, por estes dias, que tinhas começado uma viagem de regresso a casa e que a meio partiste, numa curva dessa maldita estrada, para outro lado. Provavelmente fui dos últimos a saber, mas não importa isso agora, não assisti ao choro e ao grito da família, e o luto faz-se assim de outra forma. Nem eu sei se a morte precisa de prova. Um dia destes vou lá ver-te e à placa em que colocaram o teu nome, dizer-te que sim, o sitio é lindo (apesar de não o conhecer) e vou lá ter contigo no verão, talvez em Agosto, como combinado. Por agora fico aqui a tapar de buracos os buracos fundos no peito, na loucura de caber todo no sitio onde estás, trazer-te, desfazer a curva em que partiste, redesenhá-la em recta e levar-te a casa, ao colo. Não é para isso que servem os amigos?

Estranhas torradas


Estranhas estas torradas...




fevereiro 17, 2004

...


É só no sonho que ainda te encontro
por vezes, quase como se não conseguisse
escrever contra a morte e os buracos
que se tapam com outros buracos, por
tudo aquilo que só sabemos, por todas
as ilhas, pelo frio mais ao norte. É só
no sonho de ainda haver vida para lá
da terra funda, para lá do IP4, do olhar
perdido dos amigos, em volta.
Com a simples calma em que partes
e o silêncio que deixas, não vamos mais
estar juntos, sinto-o, como se não conseguisse
sentir mais nada. E mesmo que um dia voltes
sei que não és tu, por não te encontrares
à distância de um abraço ou de um beijo.

Virus


Um virus afastou-me do blog nos últimos dias. Daqueles que se agarram à garganta e não ao disco rigido. Afastou-me do blog e de quase tudo o resto.
No entanto gosto de ser reconhecida, de chegar de manhã ao café e não ter de pedir o que quero, porque já sabem, é sempre o mesmo.

fevereiro 11, 2004

When You are Old


When you are old and grey and full of sleep,
And nodding by the fire, take down this book,
And slowly read, and dream of the soft look
Your eyes had once, and of their shadows deep;

How many loved your moments of glad grace,
And loved your beauty with love false or true,
But one man loved the pilgrim soul in you,
And loved the sorrows of your changing face;

And bending down beside the glowing bars,
Murmur, a little sadly, how Love fled
And paced upon the mountains overhead
And hid his face amid a crowd of stars.

W. B. Yeats

fevereiro 09, 2004

Futebol


Confesso, não percebo nada de futebol, mas "Estádio do Dragão" não é um nome estranho para um estádio? E a relva do dito estádio não devia estar em melhor estado? Fiquei hoje a saber que será aqui a inauguração do Euro 2004. Que os Deuses estejam connosco.

Big Fish




Se ao menos tudo fosse tão simples...
O filme é lindissimo, o site também.

fevereiro 06, 2004

Anjos no supermercado


Ontem, no supermercado, perguntaram-me se tinha um minuto, que me queriam mostrar uma promoção qualquer, com direito a uma oferta, daquelas em que se acaba sempre por pagar alguma coisa. Apeteceu-me responder que não, que se tivesse um minuto não estaria ali, eu que faço as compras sempre a correr, eu que tenhos os minutos todos contados e preenchidos. Disse que sim. Talvez tenha sido o seu rosto suave de anjo que me levou. Não sabia que havia anjos nos supermercados a promover produtos de higiene.
Hoje é sexta feira, vou aproveitar que amanhã não trabalho e gastar alguns minutos da noite no hipermercado. Quem sabe o poderei encontrar por lá...

fevereiro 05, 2004

Concerto dos Tindersticks


Impossível dizer até que ponto
a rapidez de tudo
atinge as paisagens na sua certeza
o significado dos instintos
desde muito cedo
os modos de travessia, os receios
imagens em que não pensamos

pela noite tua voz descreve
isso de nós que não tem defesa
um amor
largado às sombras, irreconhecível
até de perto

dizem que se tratou de
derivas, ingenuidades, ilusões
o teu amor é um nome qualquer
que parte

José Tolentino Mendonça, Baldios, Assírio & Alvim 1999

Nunca um poema...




O último post da Inês é sobre a Cidade Universitária, os anfiteatros vazios, as árvores do estádio, as folhas em cima da mesa vazia da esplanada, o bar que fechou há muito. Mas eu só me consigo lembrar do concerto dos Tindersticks na Aula Magna da Reitoria... Porque será?

fevereiro 04, 2004

Nunca um poema me disse tanto sobre os locais que mais gosto


Cidade Universitária

Era em Setembro nos anfiteatros vazios,
na alameda que subia para onde nos deviamos encontrar,
e não estavas; era um outono que caía sobre
as árvores do estádio, empurrando-lhes
as folhas para cima da mesa da esplanada, onde está vazia a mesa em
que as minhas mãos deviam procurar as tuas; era
a tua ausência em todos os lugares em que eu sabia
que poderias estar à minha espera, e só a sombra
das nuvens me trazia a memória da tua passagem, como
se fosses a ave que parte quando o primeiro sopro
do inverno se anuncia.

Que fazer sem ti, nestes anfiteatros de bancos
vazios, nos corredores melancólicos que levam para
átrios e pátios, nesses relvados onde não vale a pena
sentar-me, perguntar-te se gostas do outono, ou dizer que
os teus olhos é que valem a pena, agora que vejo, neles,
as nuvens que correm para o sul? E tu, sem estares aqui,
dizes-me que não é preciso que eu me lembre de ti; que
estás para chegar, de trás das árvores do estádio, para
limpares de folhas a mesa da esplanada, e pedires-me que
pegue nas tuas mãos, como se o inverno
não estivesse para chegar.

Mas um cansaço antigo prende-me a estes bancos
de anfiteatro; uma indecisão de passos empurra-me por
corredores e salas, em busca de um bar que fechou
há muito; o vento varreu as folhas da mesa
da esplanada, tirando a única justificação para que venhas. Abro,
então, as gavetas do passado. Tiro cartas, fotografias,
poemas, o livro em que me escreves-te a frase interrompida
do amor. Como se eu não soubesse que as nuvens encheram
de sombra todas as imagens; que os pássaros levaram
para o sul tudo o que tinhas para me dizer; que
as folhas no chão cobriram o teu corpo, antes que
o inverno tivesse de o fazer.

Cartografia de Emoções, Nuno Júdice

O Poema


logo o corpo todo na ânsia de
caber todo no teu
corpo todo


O poema mais bonito que li este ano. De arrepiar...
Obrigada Claudia.

Manuel António Pina


Para cá de mim e para lá de mim, antes e depois.
E entre mim eu, isto é, palavras,
formas indecisas
procurando um eixo que
lhes dê peso, um sentido capaz de conter
a sua inocência
uma voz (uma palavra) a que se prender
antes de se despedaçarem
contra tanto silêncio.
São elas, as tuas palavras, quem diz 'eu'.

Os Livros, Manuel António Pina

No entanto...


Há frases que ficam guardadas na memória, muito mais tempo até do que os livros de onde se descobrem. Quase que me tinha esquecido deste, não fosse o acaso da vida relembrar-me que a terça-feira sucede à segunda-feira; e depois vem a quarta-feira...

'Nevertheless, life is pleasant, life is tolerable. Tuesday
follows Monday; then comes Wednesday. The mind grows rings; the
identity becomes robust; pain is absorbed in growth. Opening and
shutting, shutting and opening, with increasing hum and sturdiness,
the haste and fever of youth are drawn into service until the whole
being seems to expand in and out like the mainspring of a clock.
How fast the stream flows from January to December! We are swept
on by the torrent of things grown so familiar that they cast no
shadow. We float, we float . . .


The Waves, Virginia Woolf

Primeira vez


O Nuno arrastou-me até aqui. Descobriu-me nas caixas de comentários de outros blogs e convidou-me, eu que nem conhecia as torradas, que nunca tinha participado num blog. Gostava de andar escondida, observando o que os outros escreviam. Agora chegou a minha vez de retribuir, para que outros leiam, quem sabe. Gostava de escrever como a Sofia, sobre a filha, mas não tenho nenhuma, de ter a claridade doída da escrita da Raquel, mas a minha vida ainda é uma janela aberta ao azul do mar (Hopper?), de concluir a ternura brutal e irónica da Paula,de ser minima como a Sandra e a Claudia.
Muito obrigada pelo convite.

Inês Barros


A partir de hoje as torradas contam com a participação da Inês.
Bem vinda à blogoesfera.