janeiro 30, 2004

No equilibrio dos primeiros passos




(vale mais um passo) do que toda a literatura

janeiro 28, 2004

Apenas uma teoria


"(Não sei o que acontece a uma escritora que encontra a sua personagem, só sei que não voltei a escrever...) "

"Eu não sei o que acontece a uma escritora que se apaixona pela sua personagem, só sei que desde que te conheci não voltei a escrever..."

"Jane Frost caminhando na Charing Cross Road, debaixo da chuva, com os seus "jeans" velhos e o casaco preto, a mochila com algumas roupas e quatro livros; Jane Frost sentada na sala Rothko da Tate Gallery, a bolsa esquecida num banco; Jane Frost acordando sozinha na casa de praia numa noite gelada de Inverno; o livro que Tom estava a escrever quando conheceu Jane; a livraria de Michael, as velhas edições de Stevenson e Richmal Crompton, os "Notebooks" de Henry James; o rosto de Byrne na penumbra do apartamento; a neve caindo nos meus livros."

Ana Teresa Pereira, crónicas do Público, respectivamente,The Art Of Fiction (15 de Novembro de 2003), O Desejo (10 de Janeiro de 2004) e O Que Viram Os Meus Olhos (22 de Março de 2003)

janeiro 27, 2004

Quase para ti


Recebi pelo correio as palavras
estou cansada, junto com um
livro exactamente do tamanho
do envelope. Gostava de te dizer
que sim, que gosto de assinaturas
em livros, mas nem isso, que
gosto de te ver naquela fotografia
e na outra. Se ao menos a vida
fosse só o calor das mãos,
para te dizer sempre que estás
mesmo quando não se sente.

janeiro 16, 2004

Poemas I


Ritmos

Soubéssemos nós compreender
Iluminando
Dividindo para nos darmos
Inteiros
Deslocando ritmos e sangue
Para os pássaros
Nos líquidos fica o silêncio
Dos degraus
Um a um percorridos
Na infância.
Soubéssemos nós compreender.

Miguel Cruz in Esboços

Este olhar

Em cada passo teu uma luz
de dentro dos homens
em cada passo uma certeza
uma claridade que aproxima
e se revela, no lugar do coração
um ardor, um sol que mói.
Em cada noite esta luz
que nos revela as ruínas
dos nossos próprios impossíveis
em cada noite esta aragem
que nos queima, este carinho
para quem sabe conhecer.

Miguel Cruz in Esboços

Esboço sobre o teu rosto

Terás nos lábios
uma fina linha de água
vermelha
de Antares, meu coração.
Nos olhos a ternura
meiga e quente
dos gatos
que nos dormem aos pés.
Uma magia de maçãs
que se transformam
em laranjas douradas,
na tua face.
E no nariz
um beijo dos meus lábios.

Miguel Cruz in Ausência e Distância

O amor que sinto


O amor que sinto
é um labirinto.

Nele me perdi
com o coração
cheio de ter fome
do mundo e de ti
(sabes o teu nome),
sombra necessária
de um Sol que não vejo,
onde cabe o pária,
a Revolução
e a Reforma Agrária
sonho do Alentejo.
Só assim me pinto
neste Amor que sinto.

Amor que me fere,
chame-se mulher,
onda de veludo,
pátria mal-amada,
chame-se "amar nada"
chame-se "amar tudo".

E porque não minto
sou um labirinto.

José Gomes Ferreira




Numa altura em que todos procuram pelo Nemo, (re)encontrei este "Goldfish" do Paul Klee. Não é mais bonito?

janeiro 12, 2004

Pão

Hoje de manhã fui comprar pão. Na montra da padaria um anuncio escrito à mão, numa folha de papel quadriculado: "Senhora oferece-se para manhãs ou tardes. Telefone ...".
E pensar que andei todos estes anos a comprar pão no hipermercado, ao fim de semana, e a comer torradas durante a semana! Assim não admira que quase 50% dos portugueses homens recorram à prostituição. Com esta qualidade de oferta...

janeiro 09, 2004

[o mal tem asas]


Para o Luís


olho à volta
em flecha sobre as coisas
à procura desse ladrão excepcional
que me roubou o livro inventado
pra me poupares o coração
à mágoa dos vivos
mas sei que é inútil
trago em alvo
apenas alfaias domésticas
com que trabalho a terra
aquela que escolhi
e sei que é inútil porque o mal tem asas
e só o vento nos salva
e nos transporta
ao lugar da árvore
junto ao rio onde me banhei três vezes
até que o galo cante
e me lembre do pai
a quem devo ceia e roupa branca

Ana Paula Inácio, As Vinhas de Meu Pai, Quasi, 2000
Título e dedicatória minhas.

Sabes,


gostava de te dizer que sim
que gosto de assinaturas em livros
mas nem isso, só do afecto
que escolhe imagens
só isso

janeiro 07, 2004

Site Meter Referrals

Acederam ao site do Rui através da pesquisa retratos de carne guisada, tudo por causa do Alberto Pimenta! Impossível encontrar uma melhor referência.
Já agora alguém me explica o que é uma figura nuvem electrónica?

Nova Poesia Portuguesa I

Carlos Bessa
Nasceu em 1967

Livros editados:
Legenda, Atlas, 1995
Termómetro. Diário, Black Sun, 1998
Olhos de morder Lembrar e Partir, Black Sun, 2000
Lançam-se os Músculos em Brutal Oficina, & etc, 2000
Em Trânsito, & etc, 2003


vago pressentimento
para Ana Paula Inácio

A minha vida é este inferno
enumerar, estar sentado, escrever.
O encontro de duas faltas, a ficção
desse por exemplo mais: ignorar,
aprender: a beleza, o medo,
o amor.


junta-te a eles
para Jorge Gomes Miranda

A fome de dar nas vistas é uma fome interior,
querer calar à viva força a eléctrica música
da infância, o sol de outono, essas sombras.
Às vezes um raio um sonho um romance,
um chamamento a que não se responde
porque sempre o ódio, o medo, todo o barroco
que faz tremer as mãos e deixa flores no sangue.

Sim, perante o continuum de indiferença,
os mais dados aos outros vacilam. Vacilar,
contudo, não cala o sofrimento, o modo
como as palavras se encaixam umas nas outras.
Trata-se, talvez, de virar o exagero contra
os feiticeiros, ou de oferecer o corpo aos
altares do marketing. Porque a penitência

um sorriso, um aperto de mão.
Porque são sempre poucos os muito
Calejados nos da descrença degraus.


dentro de momentos, moral
para José Miguel Silva

Música ou qualquer coisa que faça barulho
e encha o vazio da espera –
instruções mecânicas, avisos electrónicos
- até que chegue voz verdadeira
com nome, vontade, profissão,
capaz de responder com indiferença
e cinismo à aflição. Mas, não raro,
depois de guerra qualquer, depois do
pingue-pongue das palavras vazias,
sobrevém um conforto, uma quase alegria,
também pela ilusão de que o comércio
é esse intercâmbio do bem pelo mal
e deste pelo amor.


vida
para Manuel de Freitas

Hei-de , talvez, chegar a velho com o croché
da melancolia, como esses tantos que,
com mais e menos idade,
arrumam as horas nos jardins,
aprumados na sueca
ou noutras fúrias colectivas.
Entreter-me-ei, de desculpa em desculpa,
como se preparasse terreno
para um féretro de pompa,
assistindo. Apenas isso.
Porque um dia fui crente?
Não, apenas novo, sensível
- por distracção ou excesso pop -
ao que se mistura com as palavras
com que aprendi a ler e a escrever.
Poderá ter sido por higiene,
pelo prazer dos banhos secos
que certos livros oferecem.
Não sei, tudo o que conheço é
dos homens, mesmo o que se calhar
nunca foi e que chamam de
mistério, de magia. Sei que rasurar e
rezingar contra imagens e falinhas
mansas foram os modos que soube,
que pude, para estancar o medo
- sem dar por isso eram já armaduras,
asfixia -. Quiçá da razão, do ser-se
adulto. Deve ser. Não devem faltar
as análises, os argumentos, a argúcia.
Acontece que, ainda vivo, ainda
com o mesmo corpo, talvez como
analgésico, dou por mim mais atento
a sofrer contigo as estórias
de quantos, prisioneiros, pedem fora,
ao mundo, as razões e emoções
para uma dor que mesmo fingida
deveras sentem. E gostaria, como tu,
que a vida fosse tão-só o que é
sem que me sentisse espectador ou cúmplice.
Gostaria que não doesse tanto


poemas inéditos retirados da revista Relâmpago nº12 - Nova Poesia Portuguesa

janeiro 06, 2004

Eduardo Guerra Carneiro

O ano de 2004 começou com a morte de Eduardo Guerra Carneiro, um dos mais interesantes e esquecidos poetas portugueses do final do século passado.
O avis, o almocreve e o rui almeida recordam-no muito justamente.
Deixo aqui ficar apenas um poema, roubado ao blog do rui, e uma pergunta: para quando uma antologia dos poetas esquecidos? Com o Eduardo, e o Sebastião Alba e o António Gancho e ...

As cores

Amarelo sobre lilás, faixas de
laranja e muito verde. Do outro lado
o castanho terroso, o azul pálido,
alguma prata na neblina.
Rompe-se depois o vermelhão,
entre o ultramarino, e um vago
sépia surge nos contornos brancos.
O voo cinzento das aves risca
esta paisagem e apenas em fundo,
tremura junto à praia, a rebentação.
Quase sem tempo, nem espaço
para os versos, distingo ainda
um ovo de luz a afundar-se
enquanto a Outra assume a dignidade.

(de Profissão de Fé, Quetzal editores, 1990 - Grafitti)

janeiro 05, 2004

Hoje abrindo as janelas da casa
não há nada de maior no mundo

Estou de volta e numa travessia rápida pela "minha" blogoesfera retive dois poemas de Márcia Maia:

segunda-feira de manhã

nada de novo.

o mesmo tédio, algum
cansaço e a incômoda sensação
de haver perdido os sonhos
- todos -
em algum ponto esquecido do caminho.



desintenção

vazias as mãos
despir-me de asas
esvaziar-me de sonhos vazios
de palavras
desfazer-me de amores
e de azuis
tingir-me talvez de algum tom
indefinido
entre o vermelho e o amarelo

: desinventar-me?

Bom 2004 para todos.