Torradas
setembro 28, 2004
setembro 24, 2004
setembro 23, 2004
Prémio 'O pior cego é aquele que não quer ver'
num restaurante de Lisboa:
Ele - A culpa disto tudo (as listas de colocação de professores) é do PS...
Ele (outro) - ...???...
Ele - ...foram eles que iniciaram a reforma educativa...
(também candidato ao prémio 'Cartão laranja ao peito 2004')
Menção honrosa (no mesmo restaurante, no mesmo dia):
Ele - O Porto e o Sporting até nem estão a jogar mal...
setembro 22, 2004
setembro 21, 2004
Pedro Páramo
Alvaro Mutis subió a grandes zancadas los siete pisos de mi casa con un paquetr de libros, separó del montón el más pequeno y corto, y me dijo muerto de risa: 'Lea esa vaina, carajo, para que aprenda'; era Pedro Páramo.
Aquela noche no pude dormir mientras no terminé la segunda lectura; nunca, desde la noche tremenda en que leí La metamorfosis de Kafka, en una lúgrube pensión de estudiantes de Bogotá, casi 10 anos atrás, había sufrido una conmoción semejante. Al día siguiente leí El Llano en llamas y el assombro permaneció intacto; mucho después, en la antesala de un consultorio, encontré una revista médica con otra obra maestra desbalagada: La herencia de Matilde Arcángel; el resto de aquel ano no pude leer a ningún otro autor, porque todos me parecían menores.
No habia acabado de escapar al deslumbramiento, cuando alguien le dijo a Carlos Velo que yo era capaz de recitar de memoria párrafos completos de Pedro Páramo. La verdad iba más lejos, podía recitar el libro completo al derecho y al revés sin una falla apreciable, y podía decir en qué página de mi edición se encontraba cada episodio, y no había un solo rasgo del carácter de un personaje que no conociera a fondo.
Assombro por Juan Rulfo, artigo por Gabriel García Márquez
Aquela noche no pude dormir mientras no terminé la segunda lectura; nunca, desde la noche tremenda en que leí La metamorfosis de Kafka, en una lúgrube pensión de estudiantes de Bogotá, casi 10 anos atrás, había sufrido una conmoción semejante. Al día siguiente leí El Llano en llamas y el assombro permaneció intacto; mucho después, en la antesala de un consultorio, encontré una revista médica con otra obra maestra desbalagada: La herencia de Matilde Arcángel; el resto de aquel ano no pude leer a ningún otro autor, porque todos me parecían menores.
No habia acabado de escapar al deslumbramiento, cuando alguien le dijo a Carlos Velo que yo era capaz de recitar de memoria párrafos completos de Pedro Páramo. La verdad iba más lejos, podía recitar el libro completo al derecho y al revés sin una falla apreciable, y podía decir en qué página de mi edición se encontraba cada episodio, y no había un solo rasgo del carácter de un personaje que no conociera a fondo.
Assombro por Juan Rulfo, artigo por Gabriel García Márquez
'chego hoje à décima elegia/e ainda falta tanto/para brotarem as rosas'
gostava de poder falar-te
do mundo
que existe do lado de dentro
das mãos.
(...)
gostava de poder dizer-te
que há um mapa
tatuado nos ossos.
(...)
no entanto,
nada digo.
e este silêncio
é só mais um forma
de habitar eternamente
os teus medos.
Cláudia Ferreira, 11 Setembro 2004
No tempo das flores
(...)
Desta falta de tempo, sorte, e jeito,
Se faz noutro futuro o nosso encontro.
António Franco Alexandre, Uma Fábula, Assírio & Alvim
Sempre soube que o ia encontrar numa livraria, entre prateleiras de volumes grossos e escaparates com livros de capas coloridas, entre os livros que fazem dele tudo aquilo que ela é. Sempre soube que ia ser assim, as capas a formarem um puzzle sobre a mesa de trabalho, a transformarem-se num quadro impossível. Sempre soube o seu rosto e que o nome era Tom, 'quando o encontrar é aí que vou ficar'. Sempre soube que se escrevia em pequenos blocos de capa preta e que tinha viajado muito, Itália e Londres, a Rússia. Conhecia o seu corpo na neve, a sombra que fica nos espelhos.
Naquela noite sonhou com a torre. Quando acordou, com o barulho do vento nas portadas grossas, ficou-lhe uma ladainha do lado dos sonhos: 'se nos encontrarmos de novo vai ser no tempo das flores'. Queria que ele estivese ali, que a embrulhasse em folhas de acetato e a protegesse das coisas más, dos monstros. Sempre soube que ia ser assim. E tudo o que disse fica por agora perdido, até que num acaso se encontrem de novo.
Naquela noite sonhou com a torre. Quando acordou, com o barulho do vento nas portadas grossas, ficou-lhe uma ladainha do lado dos sonhos: 'se nos encontrarmos de novo vai ser no tempo das flores'. Queria que ele estivese ali, que a embrulhasse em folhas de acetato e a protegesse das coisas más, dos monstros. Sempre soube que ia ser assim. E tudo o que disse fica por agora perdido, até que num acaso se encontrem de novo.
(continua)
setembro 20, 2004
Actualizações
Finalmente tive tempo para actualizar a lista de blogs ali ao lado. Esqueci-me de alguns, de certeza, lembro-me depois.
setembro 17, 2004
Uma gota de orvalho secretamente morta na tua mão
Canção
Hoje venho dizer-te que nevou
no rosto familiar que te esperava
Não é nada, meu amor, foi um pássaro
a casca do tempo que caiu,
uma lágrima, um barco, uma palavra.
Foi apenas mais um dia que passou
entre arcos e arcos de solidão;
a curva dos teus olhos que se fechou
uma gota de orvalho, uma só gota,
secretamente morta na tua mão.
Eugénio de Andrade
Obscuro domínio
Agora sei como vai ser, nunca mais te vou ver. O que sangro fica por dentro dos dias em que ficámos juntos pela rua, pelas casas. Nunca as nossas mãos foram desta forma.
setembro 14, 2004
Aqui tenho sonhos que não conto a ninguém
(...)
tenho sonhos que não conto a ninguém, viro devagar
a primeira página: em fevereiro, eles ainda faziam amor
à sexta-feira. De manhã, ela torrava pão e espremia
laranjas numa cozinha fria. (...)
Maria do Rosário Pedreira, A Casa e o Cheiro dos Livros, Quetzal Editores, 1996 (re-edição da Editora Gótica em 2002).
setembro 07, 2004
Dona Lurdes
No sábado passado, ao passar pelo jardim da minha infância, aquele em que joguei à bola, depois das aulas, enquanto a minha avó esperava, sentada num banco de madeira, com o lanche de sandes com queijo e leite de pacote, reparei que o quiosque que se situa numa das pontas do jardim tinha as portadas fechadas. Uma cruz preta impressa num papel branco, A4, indicava-me o óbvio. A Dona Lurdes morrera.
Desde sempre me habituei a ver aquele espaço ocupado por uma construção tosca de chapas de metal dobradas e recortadas, de forma a caber lá dentro um balcão, vários escaparates para revistas, caixotes para livros de banda desenhada e a Dona Lurdes, já na altura com um aspecto bastante velho, daquelas pessoas que parece que foram sempre velhas. Nessa altura passava ao longe, não me interessava nada daquilo que tinha para me vender, não era ainda o tempo da mesada, ou da semanada. Quando ela veio, e a idade era outra, comecei por me aproximar pelos cromos, da bola e não só, pelas carteiras de surpresas que traziam autocolantes, chupas, pastilhas, rebuçados, depois pelos livros de banda desenhada, pelas aventuras da Marvel e da DC comics traduzidas para português, do brasil, pela Abril. Mais tarde já em português de portugal. Mais tarde ainda veio o gosto e o interesse por outras revistas, de computadores, de surf, etc etc etc. Tudo isto comprado na Dona Lurdes, por devoção, por convição, por fidelidade, porque ali era o nosso mundo, meu e dos meus amigos de infância e de bairro. Só troquei (trocámos) a Dona Lurdes e os seus imensos cães sempre presentes, quando os interesses levaram a outros livros e outras revistas que não se encontram num quiosque de bairro. Era uma relação de quase intimidade, de cumplicidade, nunca nos sugeria nada, nunca nos impunha nada, mas guardava sempre o que lhe pedíamos e aquilo que achava que nos podia interessar.
Enquanto isso nunca repáramos que a Dona Lurdes ia envelhecendo. O jardim era, e é, um jardim de velhos, que se arrastam pelos bancos de madeira e as mesas quadradas, em ferro, pintadas de verde e rodeadas cada uma de quatro cadeiras, também de ferro e verdes, presas ao chão. Por vezes jogam às cartas, mas a maior parte do tempo passam-no a dormir. Sei-o porque os vi, tardes sem fim, já depois da época dos jogos da bola, numa altura em que eu e os meus amigos de infância fomos velhos também, arrastando-nos pelos bancos em conversas e contemplações intermináveis, a comer chocolates zainy crispy e pacotes de batatas fritas, comprados no quisoque na Dona Lurdes. Sempre o chamámos assim, apesar de ela o ter batizado com o nome de um dos seus cães, que morrera atropelado, qualquer coisa acabado em inho de que não me lembro agora.
Este jardim era também ocupado pelos melros, já habituados às pessoas que passavam por ali. Quase me tinha esquecido deles, mas agora recebo noticias do meu jardim de infância via sms. Um dia é o abandono da relva por cortar e a chuva, no outro o sol e o cheiro bom da relva acabada de cortar. Lembro-me também, mas isto não pode saber quem me envia os sms, dos dias de tempestade seca, em que os relâmpagos iluminavam o longo corredor que leva à igreja ao fundo. Lembro-me de trocar cheques por dinheiro no quiosque da Dona Lurdes, num fim de semana comprido em que todos os multibancos da zona ficaram sem dinheiro. Lembro-me do cão Dick, que sempre que fugia era atraído pelo cio das cadelas que rodeavam sempre o quiosque da Dona Lurdes. Lembro-me do dia em que a Camara ou a Junta, não sei, ofereceu um quiosque novo à Dona Lurdes, pouco maior que o anterior, mas mais moderno e funcional, em que ja não era preciso recorrer aos plásticos, nos dias de chuva, para tapar jornais e revistas. Lembro-me da última conversa que tive com a Dona Lurdes, num domingo de sol, perguntei-lhe por um livro que tinha saído com o jornal Público, nesse dia, disse-me com um ar triste, já não tenho, já acabou, encolhendo os ombros como que a lembrar-me que já houve um tempo em que nem era preciso perguntar, o livro estaria ali guardado, como era normal para os clientes habituais, mas agora...
Agora as portadas estão fechadas, a Dona Lurdes já só existe naquilo que dela nos lembramos. E o jardim continua, lentamente captado em momentos, pelas janelas dos autocarros. O decorrer normal da vida levou-me a outros bairros e inevitavelmente a outros quiosques, outras papelarias. No sitio onde moro ainda não consegui convictamente adquirir o hábito de ir sempre ao mesmo sitio, vou talvez mais por preguiça e conveniência do que outra coisa. Sei que nunca vou encontrar outro sitio onde a confiança, a genenrosidade e a amizade sejam tão sinceras.
Desde sempre me habituei a ver aquele espaço ocupado por uma construção tosca de chapas de metal dobradas e recortadas, de forma a caber lá dentro um balcão, vários escaparates para revistas, caixotes para livros de banda desenhada e a Dona Lurdes, já na altura com um aspecto bastante velho, daquelas pessoas que parece que foram sempre velhas. Nessa altura passava ao longe, não me interessava nada daquilo que tinha para me vender, não era ainda o tempo da mesada, ou da semanada. Quando ela veio, e a idade era outra, comecei por me aproximar pelos cromos, da bola e não só, pelas carteiras de surpresas que traziam autocolantes, chupas, pastilhas, rebuçados, depois pelos livros de banda desenhada, pelas aventuras da Marvel e da DC comics traduzidas para português, do brasil, pela Abril. Mais tarde já em português de portugal. Mais tarde ainda veio o gosto e o interesse por outras revistas, de computadores, de surf, etc etc etc. Tudo isto comprado na Dona Lurdes, por devoção, por convição, por fidelidade, porque ali era o nosso mundo, meu e dos meus amigos de infância e de bairro. Só troquei (trocámos) a Dona Lurdes e os seus imensos cães sempre presentes, quando os interesses levaram a outros livros e outras revistas que não se encontram num quiosque de bairro. Era uma relação de quase intimidade, de cumplicidade, nunca nos sugeria nada, nunca nos impunha nada, mas guardava sempre o que lhe pedíamos e aquilo que achava que nos podia interessar.
Enquanto isso nunca repáramos que a Dona Lurdes ia envelhecendo. O jardim era, e é, um jardim de velhos, que se arrastam pelos bancos de madeira e as mesas quadradas, em ferro, pintadas de verde e rodeadas cada uma de quatro cadeiras, também de ferro e verdes, presas ao chão. Por vezes jogam às cartas, mas a maior parte do tempo passam-no a dormir. Sei-o porque os vi, tardes sem fim, já depois da época dos jogos da bola, numa altura em que eu e os meus amigos de infância fomos velhos também, arrastando-nos pelos bancos em conversas e contemplações intermináveis, a comer chocolates zainy crispy e pacotes de batatas fritas, comprados no quisoque na Dona Lurdes. Sempre o chamámos assim, apesar de ela o ter batizado com o nome de um dos seus cães, que morrera atropelado, qualquer coisa acabado em inho de que não me lembro agora.
Este jardim era também ocupado pelos melros, já habituados às pessoas que passavam por ali. Quase me tinha esquecido deles, mas agora recebo noticias do meu jardim de infância via sms. Um dia é o abandono da relva por cortar e a chuva, no outro o sol e o cheiro bom da relva acabada de cortar. Lembro-me também, mas isto não pode saber quem me envia os sms, dos dias de tempestade seca, em que os relâmpagos iluminavam o longo corredor que leva à igreja ao fundo. Lembro-me de trocar cheques por dinheiro no quiosque da Dona Lurdes, num fim de semana comprido em que todos os multibancos da zona ficaram sem dinheiro. Lembro-me do cão Dick, que sempre que fugia era atraído pelo cio das cadelas que rodeavam sempre o quiosque da Dona Lurdes. Lembro-me do dia em que a Camara ou a Junta, não sei, ofereceu um quiosque novo à Dona Lurdes, pouco maior que o anterior, mas mais moderno e funcional, em que ja não era preciso recorrer aos plásticos, nos dias de chuva, para tapar jornais e revistas. Lembro-me da última conversa que tive com a Dona Lurdes, num domingo de sol, perguntei-lhe por um livro que tinha saído com o jornal Público, nesse dia, disse-me com um ar triste, já não tenho, já acabou, encolhendo os ombros como que a lembrar-me que já houve um tempo em que nem era preciso perguntar, o livro estaria ali guardado, como era normal para os clientes habituais, mas agora...
Agora as portadas estão fechadas, a Dona Lurdes já só existe naquilo que dela nos lembramos. E o jardim continua, lentamente captado em momentos, pelas janelas dos autocarros. O decorrer normal da vida levou-me a outros bairros e inevitavelmente a outros quiosques, outras papelarias. No sitio onde moro ainda não consegui convictamente adquirir o hábito de ir sempre ao mesmo sitio, vou talvez mais por preguiça e conveniência do que outra coisa. Sei que nunca vou encontrar outro sitio onde a confiança, a genenrosidade e a amizade sejam tão sinceras.
setembro 03, 2004
Momento
momento (s.m o mais breve período em que o tempo se pode dividir; instante; pouca duração; tempo ou ocasião em que alguma coisa se faz ou acontece; ocasião oportuna; circunstância) Dicionário da Língua Portuguesa, 8ª edição, Porto Editora.
Como esta frase num dicionário, as coisas importantes que nos fazem existir, surgem quase sempre de lugar nenhum. Deixar que um raio nos atinja, ou 'apenas' o clarão de um relâmpago, iluminando tudo o que se irá seguir, é o lema. Para que um segundo depois já se tenha esquecido tudo, porque o que se sabe dói e queima e é melhor não saber. O que importa mesmo é que nem sempre as coisas nos aparecem nos momentos certos, aparecem quando querem, quando têm de aparecer. Por vezes não gostamos de certas coisas por não ser o momento certo. Por vezes gostamos de certas coisas mas não é o momento certo.
Alice no país dos matraquilhos
Ando ocupado a ler os matraquilhos. Vinte e quatro dias de ausência dão nisto. Volto já:
'A minha mãe diz-me que hoje não posso levar o vestido de noiva e as sandálias brancas com a borboleta cor-de-rosa porque está a chover muito. Fico triste. Gostava de mostrar o meu vestido de noiva, branquinho, cheio de florzinhas, à minha namorada, a Sara Santinho. Não percebo porque é que os crescidos se riem quando digo que a Sara é a minha namorada. É a minha melhor amiga, gosto dela, estamos sempre juntas, no recreio, na sala e no refeitório. Não é isso que os namorados fazem?'